1º de dezembro de 2025. 06:20 da madrugada. Morro Alto.
A madrugada cheirava a álcool barato e desespero. O velho, setenta anos de pele curtida e medo antigo, entregou a história à frieza do relatório: o filho, vinte e cinco primaveras mal curadas e uma farmácia de ansiedade na cabeça, tinha aparecido ali depois da queda. Mulher foi embora, o resto sobrou. E o resto era ele, rachado ao meio, com um facão na mão e um demônio no peito.
Não foi discussão. Foi cerco. O miado do vidro da janela estilhaçando. O baque surdo do facão no parabrisa do Corsa velho – um golpe que não era no carro, era no mundo. O velho, trancado dentro da própria casa, ouvindo a respiração ofegante do próprio sangue do outro lado da porta. Ameaças sussurradas, grossas, embebidas em cachaça e ódio de si mesmo.
A gente chegou com as luzes azuis cortando a névoa. O drama já tinha esfriado, deixando só os cacos e o constrangimento. O facão? Sumiu. Como sempre some. O velho? Negou representação. Olhou para o garoto – sangue nos olhos, tremor nas mãos – e viu o menino que carregou no colo. Não quis a cela. Queria o silêncio de volta.
Conversei com o rapaz. Não adianta gritar. É só botar a realidade na frente dele, crua. Ele concordou em ir embora. Cabeça baixa, passo arrastado, derrotado pelo próprio furacão que acordou. Não levou nada, exceto o vazio que trouxe.
O caso terminou onde muitos terminam: num papel. O Boletim de Ocorrência, a ata fria do calor dos infernos privados. O facão continua por aí. O desespero também. E o velho fica na casa dele, com a janela quebrada e o parabrisa rachado, olhando pro horizonte e esperando a próxima madrugada.