1º de dezembro de 2025. 09:52 da manhã. Centro.
A farmácia cheirava a álcool 70% e derrota. O ar-condicionado soprava um frio burocrático sobre as gôndolas abarrotadas de pequenos alívios. A moça do balcão, 29 anos e um cansaço que já vinha de berço, entregou o relato com a voz morna de quem já esperava por isso. Não foi assalto, foi silêncio. Um furto tão simples que quase soa como irrelevância no meio do caos diário.
Segundo ela, foi uma sombra. Só isso. Uma figura feminina, toda de preto — calça preta, blusa preta — como um negativo do mundo, deslizando entre corredores de remédios para ansiedade, dor de cabeça e azia existencial. As mãos, rápidas e certeiras, escolheram. Encheram bolsos ou uma sacola invisível. Produtos. Itens. Coisas. O relatório não diz quais, mas eu aposto que não foi xampu. Em farmácia, roubo de preto é roubo de necessidade muda.
E depois? Depois, o silêncio continuou. A figura preta saiu, montou numa bicicleta vermelha — um detalhe de cor gritante no meio da fuga incolor — e pedalou rumo ao nada. Desapareceu no quebra-cabeça do centro. A bicicinta sumiu no fluxo, levando consigo os pequenos crimes que não interessam a ninguém.
O mais significativo? A farmácia só percebeu no dia seguinte. O furto aconteceu na calada, no vazio entre um turno e outro. Um vazio tão grande que engoliu o movimento de uma mulher, o roçar de produtos nas prateleiras, o rangido da porta. Só sobrou o espaço vago, a conta que não fechou, a pequena violação do espaço ordenado das mercadorias.
A vítima preencheu os dados. Nós orientamos. "Guarde as imagens das câmeras." "Entre em contato se surgir algo." Ela anuiu, sabendo que nada ia surgir. A burocracia do pequeno delito seguiu seu curso: número do BO, cópia do documento, carimbo no horário. A bicicleta vermelha já estava em outro bairro. Os produtos já tinham virado alívio, ou dinheiro, ou ambos.
No final, restou o registro. A ata do quase-nada. A confissão burocrática de que, às vezes, a cidade é roubada em câmera lenta, produto por produto, por fantasmas de calça preta que fogem pedalando contra o vento.
ELA NÃO PARECIA SUSPEITA , MAS LEVOU PRODUTOS DE CHAPE E BELEZA
GUARAPUAVA FATOS
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