Em um lugar chamado Fazenda Zocante, no interior de Pitanga, no Paraná, o tempo parece correr de forma diferente. A uma hora e meia de Guarapuava, a solidão não é uma abstração, é uma geografia. É nesta geografia que uma história termina, envolta em fumaça e em silêncio.
Era 21 de outubro. Às 10 da manhã, um homem de 59 anos, dono daquelas terras, dirige-se até a 3ª Companhia da PM de Pitanga. Ele não vai reportar um furto, um problema com a cerca. Ele vai reportar uma morte. A morte de um homem de 66 anos que trabalhava e morava em sua fazenda. Um homem que, de alguma forma, era de sua responsabilidade.
A Descoberta: O Fogo e o Silêncio
Antes do fazendeiro, porém, houve outro homem. Um jovem de 22 anos, encarregado de cuidar dos animais. Foi ele quem viu primeiro. A casa, consumida pelo fogo. E dentro dela, o morador, já sem vida, o corpo marcado pelas queimaduras.
Pare a história aqui.
Uma casa no interior. Um homem de 66 anos. Um incêndio. A conclusão rápida, a que todos chegamos, é a de um trágico acidente. Mas as histórias nunca começam no seu final. Elas têm um prólogo.
E o prólogo dessa história aconteceu seis meses antes.
O Primeiro Aviso
Seis meses atrás, um primeiro incêndio. Pequeno, controlado. Um aviso. O fazendeiro, o homem de 59 anos, soube. Sabia do problema do outro homem, o da casa. Ele era alcoólatra. O álcool é um líquido, mas seu efeito é o fogo. Ele queima por dentro, e às vezes esse fogo interno transborda, vaza para o mundo real.
E aqui temos a decisão crucial, o ponto onde esta história poderia ter tomado outro rumo. Diante do primeiro incêndio, o fazendeiro não expulsou o homem. Ele o perdoou. Deu-lhe uma segunda chance. Autorizou que continuasse morando na propriedade.
Foi um ato de compaixão? Ou foi uma conveniência, a dificuldade de encontrar alguém para trabalhar na solidão de Zocante? O boletim de ocorrência não diz. Ele apenas registra o fato cru: a permissão foi dada.
As Perguntas que a Perícia Não Responde
A polícia isolou o local. Veio o IML de Ivaiporã, a Criminalística de Campo Mourão, a Polícia Civil. Eles fizeram o seu trabalho, meticuloso e necessário. Recolheram o corpo. Buscaram as causas materiais do fogo.
Mas a perícia não pode responder às perguntas que realmente importam.
O que se passou na mente daquele homem de 66 anos na noite em que o fogo voltou? Foi o descuído de sempre, o cigarro mal apagado, o álcool que adormeceu os sentidos? Ou foi algo mais intencional, um ato final de uma luta silenciosa que ninguém, na imensidão daquela fazenda, foi capaz de enxergar?
O fazendeiro, ao relatar a morte, carregava o peso de quem deu uma segunda chance que terminou em tragédia. O jovem de 22 anos carrega para sempre a imagem da casa queimada e do corpo que ele encontrou.
O caso foi encerrado. O corpo foi levado.
Mas em Fazenda Zocante, resta o cheiro de fumaça. E a pergunta que não cala: aquela segunda chance, foi um ato de bondade, ou foi uma sentença?